A história oculta da eleição na Bahia

Blog
Filigrana
Categoria
Eleições Estaduais
Data de publicação
29 Sep 2022
Autor
Pedro Menezes

“Em quem você pretende votar para governador? As opções são: o atual governador Paulo Souto, um nome desconhecido, outro nome desconhecido e mais alguns nomes desconhecidos.”

Em 2006, muitos eleitores baianos ouviram isso antes de responder que votariam em Paulo Souto. Todas as pesquisas pré-eleitorais do IBOPE naquela campanha, inclusive a divulgada na véspera da votação, apontavam vitória de Paulo Souto em 1º turno. Algo aconteceu entre a pesquisa e as urnas. Jaques Wagner (PT) terminou eleito em 1º turno.

Em 2014, a história foi muito parecida. A imprensa tratava Souto como favorito, mas ele perdeu em 1º turno. Nas eleições de 2010 e 2018, o PT também venceu em 1º turno após crescer na reta final, mas a disparada não foi tão súbita.

Em 2022, ótimas evidências nos permitem explicar por que as pesquisas subestimaram os candidatos petistas na Bahia em 4 eleições consecutivas.

A história oficial da eleição para o governo da Bahia em 2022

“Em quem você pretende votar para governador? As opções são: ACM Neto, um nome desconhecido, outro nome desconhecido e mais alguns nomes desconhecidos.”

Entre 12 e 14 de julho, muitos eleitores baianos ouviram isso antes de responder que votariam em ACM Neto. O ex-prefeito de Salvador registrou 77% das intenções de votos válidos na pesquisa do instituto Quaest. A votação de um governista na eleição presidencial cubana estava mais próxima de ACM Neto do que o limiar de 50%+1 dos votos.

As análises e notícias da imprensa divulgaram amplamente esse resultado e o favoritismo de ACM Neto era, na prática, a história oficial das eleições de 2022. O próprio candidato acreditou – ao menos, é o que se pode deduzir da sua estratégia: ele não foi aos primeiros debates e dizia que a eleição baiana seria desvinculada do pleito nacional.

Tanto Neto quanto a grande imprensa ignoraram o resultado mais importante da Quaest de julho.

A história oficial estava errada

“Em quem você pretende votar para governador? As opções são: ACM Neto, um nome desconhecido apoiado por Lula, outro nome desconhecido apoiado por Bolsonaro e mais alguns nomes desconhecidos.”

Muitos eleitores baianos mudaram de voto quando descobriram qual nome desconhecido tinha apoio de Lula. Uma informação foi suficiente para transformar a vantagem quase cubana de ACM Neto em empate técnico: 43% a 38%, segundo o resultado da mesma pesquisa Quaest de julho.

A evidência era muito relevante, mas pouca. Até Felipe Nunes, diretor da Quaest, ressalvou que “ACM continua muito favorito” ao comentar os resultados.

ACM Neto nunca foi tão favorito assim. Não questiono a competência de Felipe. Em defesa do diretor da Quaest, a principal evidência surgiu depois.

O detalhe que corrigiu um “erro” histórico das pesquisas na Bahia

Também em meados de julho, a AtlasIntel fez sua primeira pesquisa sobre a Bahia em parceria com o jornal baiano A Tarde. Ciente de que uma lista de nomes foi pouco eficaz para prever o vencedor das últimas 4 eleições baianas, o formulário informava também o partido de cada candidato. A vantagem de ACM Neto caía para 7 pontos percentuais ainda em julho. Em todas as edições seguintes, a pesquisa Atlas/A Tarde divergiu de outros institutos.

Inferir causalidade é difícil quando falamos de fenômenos políticos e sociais, mas é possível neste caso: a escolha mudou porque, na pesquisa Atlas, o nome de Jerônimo foi associado ao partido dele. O mesmo ocorreu na Quaest após a associação a Lula. Pesquisas que omitem essa associação tem um viés que prejudica o PT e infla candidatos conhecidos, como ACM Neto e Paulo Souto. O eleitor baiano gosta do PT e vota no partido, mesmo quando não conhece o candidato.

Hoje, é possível entender as eleições na Bahia desde 2006

Com essa relação causal em mente, fica fácil entender o que aconteceu em 2006 e 2014: entre a pesquisa e a urna, o eleitor descobriu quem era apoiado por Lula. Ele necessariamente adquiriu essa informação antes de votar. Ninguém digita o nome de um candidato na urna. Os eleitores do PT digitam 13 e confirmam.

Dado o conjunto de evidências disponíveis, é possível dizer isso com bastante segurança que o formulário da Atlas é mais adequado. Uma dessas evidências está na trajetória recente das pesquisas IPEC e Datafolha, bastante parecida com a das eleições de 2006 e 2014.

Pesquisas tradicionais podem enganar e exagerar o impacto da polêmica racial

Inicialmente, a imprensa insistiu na história oficial. A queda de ACM Neto no IPEC e Datafolha foi atribuída à sua polêmica autodeclaração racial. Nessas duas pesquisas, o ex-prefeito ainda vence em primeiro turno. Ou seja, a queda atribuída à polêmica racial é menor do que aquela que a Atlas prevê como inevitável desde o início da campanha.

Uma das regras fundamentais da análise de pesquisas eleitorais é considerar várias pesquisas em conjunto. Vários institutos juntos costumam ser mais precisos do que um isoladamente. Toda regra tem exceção. Como os formulários são diferentes e os resultados também, é preciso escolher um método e ignorar os outros. Ou seja, o ideal é analisar a Atlas e ignorar a intenção de voto estimulada das pesquisas tradicionais. Por outro lado, dados como a aprovação do atual governador e a intenção de voto espontânea podem ser úteis.

A história oculta da eleição de 2022 na Bahia

A eleição nunca foi fácil para ACM Neto. Com o erro de diagnóstico, veio o erro estratégico. Desde o início, a intenção de voto no petista desconhecido já estava próxima de ACM Neto. Ou seja, ele agiu como favorito sem ser.

Já sabíamos, por exemplo, que a aprovação do governo estadual nunca foi tão alta. Rui Costa é melhor avaliado do que Jaques Wagner. Na citada Quaest de Julho, Lula tinha quase 70% dos votos válidos na Bahia. As pesquisas continuam indicando esse resultado, que seria o melhor desempenho que o PT já teve na eleição presidencial. O PT já venceu quatro eleições seguidas em primeiro turno e está mais forte do que nunca no estado.

Ainda no fim de agosto, Jerônimo ultrapassou Neto numericamente. Na última pesquisa da AtlasIntel, divulgada em 29 de setembro, Jerônimo tem entre 45,9% e 50,9% dos votos válidos. Com os dois candidatos próximos, o cenário ainda está aberto, mas Jerônimo é franco favorito e pode vencer em primeiro turno.

A última esperança de ACM Neto

Hoje, Neto está estacionado ao redor dos 40% na pesquisa Atlas. Na espontânea do Datafolha, ele tem 35%. Ou seja, essa base é sólida. É o mesmo patamar atingido por Paulo Souto nas derrotas de 2006 e 2014.

As últimas esperanças do ex-prefeito de Salvador estão nos 10 pontos percentuais que hoje são do bolsonarista João Roma. Caso não consiga atrair 100% desse grupo, Neto precisaria angariar novos eleitores bolsonaristas e petistas ao mesmo tempo. Seja qual for a escolha, ele precisa também manter os votos que tem – e boa parte do seu eleitorado vota em Lula. É uma equação política difícil de fechar. ACM Neto poderia ter trabalhado nisso desde meses atrás, mas perdeu tempo acreditando na história oficial.